segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A RELIGIÃO:

"A religião é traiçoeira e mentirosa, pois se faz passar pelo caminho que leva a Deus,mas acaba devorando quem se aproxima dela"

"A religião exalta a sabedoria,mas engole os tolos"

ENCONTRANDO DEUS NA MINHA VIDA

Constantemente me deparo com homens e mulheres que usam o termo vida espiritual. Aliás, é muito comum o uso desse termo nos ambientes religiosos. As pessoas falam de vida espiritual como se fosse uma vida transcendente, difícil de alcançar, mas que, ao mesmo tempo, precisa ser perseguida, ­­­­‑ e “ai de nós” se não buscarmos essa tal vida espiritual. A vida espiritual é tida como uma vida que nos torna mais íntimos de Deus e, como benefício, nos traz privilégios diante do Pai. Receio que na busca pela vida espiritual assim idealizada muitos tenham parado no meio do caminho sentindo cansaço e culpa. Perceberam que a busca era utópica e mentirosa. Acredito que a vida espiritual está mais perto do que pensamos, pois não acho que ela seja uma vida transcendente e sim uma vida do aqui e agora.
Quando era pequeno, muitas vezes olhava o céu e perguntava a minha mãe por Deus. Ela me dizia que Deus estava longe, lá naquele céu, mas eu me aproximaria dele quando fizesse minha oração. Sem saber, minha mãe estava falando um pensamento teológico: Deus é distante e só se aproxima quando oramos. Sinto que minha mãe apenas repetia um pensamento comum aos religiosos. O pensamento daqueles que imaginam a distância entre Deus e o homem, que é o mesmo pensamento daqueles que acham que a vida espiritual é a vida fora da vida real. Então, de acordo com esse pensamento, Deus se manifesta no momento da oração, se aproxima na hora da oração, mas não se aproxima no beijo dos apaixonados? Não se aproxima num grito de gol? Não se aproxima durante o trabalho de alguém? Acaso temos dois mundos, o mundo espiritual e o mundo da prática cotidiana? Fiquei a me perguntar de onde poderia ter surgido na cabeça da minha mãe esses pensamentos de distância e aproximação de Deus pelo orar e pelo não orar e então me lembrei das minhas primeiras experiências evangélicas.
Quando entrei na igreja, nas aulas de discipulado, o professor me falava que somente com oração e leitura bíblica diária nos tornávamos pessoas espirituais. Ainda posso citar várias passagens das sagradas escrituras que foram usadas como referência para fortalecer a fase do meu discipulado. Mas, dentro de mim iniciou-se uma inquietação simples e honesta: será que a espiritualidade é conseguida apenas nos momentos de oração e leitura da Palavra? Será verdade que quanto mais oro e leio a Bíblia, mais sou espiritual? Essas perguntas surgiam na medida em que lia cada versículo. Notava a necessidade de o meu discipulador colocar na minha cabeça que eu era um homem natural e que as coisas de Deus eram coisas para homens espirituais. Confesso que tentei ser esse homem espiritual: deixei de trabalhar e estudar muitas vezes para ter momentos de oração e leitura constante da Bíblia; quebrei os meus discos e passei a escutar apenas músicas de Deus e do mundo espiritual. Tentei, mas confesso que essas disciplinas religiosas só serviram para pensar que Deus estava longe de mim. Quanta desilusão com uma vida espiritual distante e sacrificante. Quanta desilusão com os professores de discipulado que não me mostraram a minha vida como manifestação de Deus e o meu cotidiano como lugar de encontro com o Pai.
Hoje, acredito que todo aquele que encara seu cotidiano de forma simples, procurando na beleza da vida, ou mesmo nas suas tristezas, encontrar a face do Pai vive uma vida espiritual. A música, a poesia, o trabalho, o culto ou a oração, são expressões de vida, e não pertencem a diferentes escalas de valor na vida espiritual. O valor espiritual aparece no que torna um momento diferente do outro, no que nos faz perceber a presença do Pai. Parece-me que o Pai não se encontra apenas nas disciplinas religiosas, mas ao contrário, é encontrado em todos os espaços da vida, até mesmo quando pensamos não haver espaço para a sua presença, lá Ele se encontra.
Sendo assim, posso não ter percebido o Pai nas minhas duas horas de oração, e nem ter percebido o Pai enquanto atendia o meu paciente mas, tanto em um como outro momento, Ele estava lá.Deus não se ausenta e nem é trazido para mais perto. Ele é percebido ou não em todos os momentos da vida.

Por isso, devo tentar fazer do meu cotidiano o melhor possível para que ele seja cheio de amor, paz e boas obras. Devo zelar por meu relacionamento com Deus sem descuidar do trato com o próximo. Devo me trancar no quarto para orar e ler a Bíblia sem esquecer-me de abrir as portas de casa para receber quem precisa. Devo sentar a família à mesa para dar graças ao Pai com a mesma importância espiritual com que conto uma história pra minha filha dormir. Em cada gesto, em cada ação, pensada ou não, vivo espiritualmente e me relaciono com o Pai.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A IMPORTÂNCIA DA FÉ NO PROCESSO DE FAZER TEOLOGIA

“Quando a fé crê por causa do amor daquele em quem crê, então deseja possuir as razões disso.” S. Boaventura

Nesses últimos dias tenho percebido a crise: crer em quê? Essa luta interna humana de querer sempre encontrar explicações para a vida. Explicações que não importam de onde surgem, podendo ser mitológicas, infantis ou apenas por repetições, desde que supra as minhas necessidades,ou curem a minha dor,ou pelo menos me traga uma explicação para a minha vida.Isso é um processo natural da religião, pois o homem precisa ter fé em alguma coisa,para poder caminhar na vida. . Todavia, parece-me que a quebra de algumas explicações tradicionais, fizeram alguns terem a nítida sensação que a fé está sendo morta pelo racionalismo e que a mudança de respostas espirituais pode ser um perigo à fé da Igreja. Afirmo então que todo o processo teológico é iniciado e sustentado pela fé e que qualquer caminhada da boa Teologia não visa diminuí-lo nem enquadrá-lo, todavia visa conhecê-lo mais profundamente.
1. A Fé Inquieta-se pelo Saber
Sou um homem que desde cedo precisei andar por vários caminhos, e em todos eles era movido por uma crença interna. Porém ao me encontrar com Cristo, a minha fé se tornou uma bomba explodindo a vontade do saber mais desse Deus. É assim até hoje. Inquieto-me sempre. É como se eu precisasse todos os dias buscar a intimidade com o meu Deus, através do saber mais Dele.
A fé quieta, parada é a fé morta. É a fé sem a intimidade. É a fé que instrumenta Deus ao molde já traçado. Essa fé não faz o homem pensar e sim repetir tudo que já disseram como se a necessidade dessa fé fosse explicar por explicar e não conhecer mais a Deus. Gosto das palavras de Clodovis Boff:

A pessoa da fé quer naturalmente saber o que é mesmo aquilo que acredita, se é verdade ou não. Quer saber também o que implica tudo aquilo em sua vida concreta e em seu destino. É que a fé tem isso dentro dela: A curiosidade. Ela quer saber de si mesma. É possuída por um dinamismo interno que a leva a se autocompreender[1].

Essa fé curiosa e inquietante nos leva sempre a dois tipos de reflexão: a reflexão conceitual e circunstancial. Ou seja, a fé é um processo dinâmico, todavia precisa de bases. Por ser um processo dinâmico, pode até questionar as bases, todavia sempre precisará partir de algum ponto.
Afirmo então: não pode haver uma crença sadia em Deus, se não existir uma inquietação da nossa alma pelo conhecer mais a Deus. E que esse processo dinâmico é necessário ao homem, e que também sempre será o processo do fazer Teologia. Ou seja, a Teologia é o conteúdo da crença.



2. A Fé é a Base da Teologia
A fé inquietante nos mostra o caminho para a Teologia. Porém antes eu preciso entender a fé como base de uma nova criatura, de um novo ser, de um novo homem. (IICo 5:17).
A fé me leva à conversão, isso é uma base inquestionável. O ato de acreditar nesse Deus me faz caminhar em um novo sentido, em uma nova ética pessoal. Essa ética pessoal me direciona às decisões presentes e ao investimento futurístico. Ou seja, a fé me faz perceber Deus e o mundo e as minhas relações com Deus e o mundo.
“A fé-conversão torna-se então a realidade fundadora de uma nova visão do mundo, de uma nova experiência da vida e de uma ética igualmente nova”[2].
A Teologia então tem início aí. No Novo Ser, no homem agora que teve esse encontro com Deus. Todo o homem que se encontra com Deus é teólogo. Como a minha fé vai formar a minha Teologia? Isso depende de quanto a minha fé é dinâmica, ou se será morta, monótona e repetitiva.

3. A Fé de Olhos Aberto para o Mundo
Se a fé busca o saber e a fé é a base teológica a partir de uma nova vida. Então preciso através da razão (busca da minha fé), estreitar o meu entendimento entre o Deus transcendente e imanente com o mundo e o pensar do homem moderno. Isso exige, sempre, abertura da fé para novas verdades, para novas leituras bíblicas. Isso é o aprofundamento da fé. Ou seja, a produção de novos conceitos para um novo mundo. Se o cristão não fizer a leitura das realidades atuais do mundo, sua teologia será rasa. E a sua fé tendenciosa e morta, pois perdeu o sentido da nova ética e da nova criatura.

“Pelo fato da Bíblia apresentar Deus como estando tanto além do mundo quanto presente no mundo, os teólogos de todas as eras são confrontados com o desafio de articular o entendimento cristão da natureza de Deus de uma forma que equilibre, afirme e sustente numa tensão criativa a realidade da transcendência e imanência divinas. Uma afirmação equilibrada de ambas as verdades facilita uma relação adequada entre a ‘Teologia, razão e a cultura’. Quando tal equilíbrio não está presente, problemas teológicos não tardam em surgir. Assim, uma ênfase excessiva na transcendência pode levar a uma Teologia que é irrelevante para o contexto cultural que ela deseja alcançar, enquanto uma ênfase exagerada na imanência pode produzir uma Teologia presa a uma determinada cultura”[3].

A fé em Deus é a mesma, as razões dessa fé em Deus são mutáveis. Isso pelo simples processo de entender a relação: Deus, homem, cultura. Então a Teologia terá sempre uma nova cara, um novo jeito de ser. Sempre partindo do pressuposto da fé inquietante que busca o saber.
A Teologia é o ato de analisar a crença. A crença sempre me fará olhar Deus, homem e cultura aberto para novos entendimentos.

[1] BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 25.
[2] BOFF, op.cit., p. 28.
[3] STANLEY, J. Crenz; ROGER, E. Olson. A teologia do século 20. Deus e o mundo numa era de transição. 1ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2003. p. 09.

PASTOREIO PARA A VIDA E NA VIDA

Nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, tácitas de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. (Marilena Chauí)

Em nossa vida cotidiana, afirmamos, perguntamos coisas e analisamos situações com frases que nunca paramos para questionarmos os porquês. É comum no meu dia-a-dia afirmar que algo é mentira ou que algo é verdade. Ou seja, o valor moral já está embutido dentro do meu cotidiano. Outro exemplo bem prático do nosso cotidiano é a simples pergunta: Que horas são? Quando pergunto isso, afirmo intrinsecamente que acredito no tempo e que esse tempo me faz ter passado e que esse tempo me projeta para o futuro. Essas percepções questionadoras têm toda uma atitude filosófica por trás. O questionar o óbvio, mas acima de tudo, minha reflexão, parte do espaço de crenças (valores) de cada pessoa. Ou seja, as minhas atitudes são guiadas pelos meus valores naturais, óbvios.
Valores são passados de pais para filhos, de sociedade para indivíduos e, óbvio, de indivíduos para sociedade. E uma vez adquirido ele passa a fazer parte do cotidiano. Recentemente assisti ao filme “A Vila”. Esse filme tem no seu enredo a reprodução do pensamento de um grupo de pessoas. E esse grupo de pessoas eterniza uma mentira como verdade, mas que para todo um povo essas verdades eram óbvias e faziam parte de todo o seu cotidiano. Todo o regimento do culto da vida era uma mitologia, mas que para a cidade era inquestionável e suficiente para a vida.É assim que a produção das idéias vira, a produção da vida.E uma vez as idéias sendo passadas, a vida das pessoas são marcadas pelos valores e os valores determinam a conduta no cotidiano.
A religião produz valores inquestionáveis e suficientes para a vida. O homem é um ser religioso. Isso implica que o cotidiano das pessoas tem valores marcados por valores religiosos “inquestionáveis” e suficientes para a vida. Isso fica bem claro, quando alguém afirma: “Eu creio na bondade do Pai! Deus é soberano! Eu sei que terei vitórias no meu futuro”. Nenhuma dessas frases é construída isoladamente, pois o espaço religioso determinou valores e os valores são percebidos no meu cotidiano. A grande questão é quando os valores são questionados e não são ditos como óbvio. Esse tipo de atitude incomoda a vida, pois incomoda os meus valores e consequentemente o meu cotidiano, os meus sonhos.
Esse é o grande desafio pastoral do momento: como questionar sem matar o óbvio das pessoas. Como alimentar com a Palavra, fazendo a igreja se apaixonar por vôos profundos na Bíblia. Esse é o meu desafio. Não quero falar o novo! Quero levar as minhas ovelhas a conhecerem novos pensamentos, mas com construções, com sabedoria e acima de tudo com amor pelas vidas, pois isto me faz ser pastor: acreditar no projeto da vida.

NADA SUBSTITUI A PALAVRA

Ela decaiu não porque foi contestada, mas porque se tornou irrelevante, enfadonha, opressiva e insípida.
(Abrahma Joshua Heschel)

Porque ir a Igreja? Essa é uma pergunta não muito nova, porém uma pergunta viva para muitos nos nossos dias, aliás essa pergunta nunca foi tão viva.
A Igreja se tornou enfadonha e sem sal. Ela se tornou numa atração desatrativa, ou melhor, ela se tornou um poço de repugnância. Porém, a pergunta é dei-me um motivo para freqüentar a Igreja? Confesso, não sei se consigo te seduzir ou tento me explicar, para poder ter mais força de ir a Igreja, mas como a minha proposta não é levantar mais críticas e sim te seduzir, lá vai: Eu creio que a Igreja ainda é o local das possibilidades!
Possibilidade de Percepção da Graça
Creio que a graça é uma disposição da trindade em criar, manter e salvar o homem. Não creio numa graça barata e nem numa graça que é desgraça. Creio numa graça que mais do que ser plano salvívico é plano mantenedor da vida. É mais ou menos assim: só estamos vivos por meio da graça (At 17:24), ou seja, se tudo existe nele, só existimos mediante a graça. A graça então já essência da existência, mas para muitos ela é despercebida. No “mundo”[1] estamos debaixo da graça, mas não percebemos a graça. Porém, na Igreja existe ainda a possibilidade da percepção da graça. É claro que quando chegamos na Igreja, nos encontramos com o fundamentalismo, com pastores despreparados, mas ainda é o local em que a graça é vista nas irmãs caridosas, nos pastores apaixonados pela obra de Deus, nos aleluias e glórias a Deus que unem ricos e pobres, comendo do mesmo pão e do mesmo vinho, pois seja o que for, isso não vem de nós é dom gratuito de Deus (Ef 2:8-9).
Não desprezo nenhuma manifestação extra-Igreja da graça, aliás a percebo em todos os lugares. Todavia, ainda é para mim a Igreja, a possibilidade da graça e isso não pode ser desprezado.

Possibilidade do Bom Caminho da Vida, Apesar de Barreiras Intransponíveis que se Levantam contra Nós

A vida nos prega peças, situações intransponíveis. A morte, a falência, a tragédia não anunciada ou anunciada. Barreiras que se levantam muitas vezes contra nós. Diante dessas situações, temos dois caminhos, vivermos na amargura, ou o contrário vivermos bem a vida, apesar da vida. E é exatamente aí que percebo a Igreja como a grande possibilidade do “viver bem”[2], pois a Palavra Bíblica é a Palavra da vida. Quando Cristo fala que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14:6), penso que ele estava afirmando eu sou a possibilidade de você viver bem, mesmo que a vida te traga muita dor.
Quando falo em viver bem, falo naquele homem ou mulher que não vive pela alienação, mas vive pelo prazer de viver. O prazer na vida e isso ainda se aprende na Igreja. A Igreja não é local que tudo dá certo, mas é o local que existe uma maior possibilidade da vida dar certo.

Possibilidade de se Aprofundar na Maior Revelação Divina

Eu não gostaria de frustrar ninguém, mas a maior revelação de Deus é Cristo (o homem) e depois o homem (homem). Perdoe-me os fundamentalistas de plantão, mas a Bíblia é menor do que o ser humano. E é exatamente na Igreja que existe a possibilidade de gente se tornar gente, pois quando nos encontramos com Cristo, mas humanos nos tornamos e quanto mais humanos, mais nos aprofundamos em gente. É isso que me encanta, uma conversão que me converte ao próximo. É claro que vemos ainda a manifestação do não gente dentro da Igreja, mas ainda existe a grande possibilidade de ver gente dentro da Igreja.
Poderia citar muitas outras possibilidades, mas paro por aqui, dizendo: ainda vale a pena ir a Igreja, pois apesar de tudo, ainda é o local das possibilidades.

[1] Usei esta palavra no sentido de ausente da Igreja, não como estrutura maldita.
[2] É uma situação de paz de espírito apesar das intempéries da vida.